O que é o raccord?
Quando Jacques Aumont, em A Estética do Filme fala no raccord, fala no que seria propriamente a construção de uma ligação formal entre dois planos sucessivos e também na ideia de continuidade representativa que provoca um efeito de ligação ou até mesmo de disjunção – um caso particular, este último, o falso raccord, caracterizando-o a falta de continuidade de uma acção, ou facto apresentado, uma ruptura no tempo e ou espaço.
Figuras concretas da montagem
Ao abordar o que chama de figuras concretas da montagem, fazendo do raccord uma delas, Jacques Aumont (1995) lembra que a tentativa de organizar regras estruturais para a montagem de filmes é imensamente antiga.
Cada escolha feita, ou seja, o modo como as figuras da montagem são postas no filme, causará diversos efeitos distintos, sugerindo o raccord sobre um gesto – a articulação em dois planos de uma mesma acção, com o seu início em um quadro e o seu fecho no quadro seguinte: dois dentro do mesmo espaço como que compondo exactamente um mesmo movimento que escapasse de um quadro e entrasse no outro.
Jacques Aumont propõe, através deste exemplo, quatro possibilidades de efeito causado a partir da sua elaboração:
- o efeito sintáctico de ligação ou a ilusão de continuidade de movimento;
- o efeito semântico (narrativo) ou a noção, de tempo dentro do filme, alheia à realidade temporal;
- o efeito conotativo – sentido, para além do colocado nos planos, que depende da distância entre os enquadramentos ou da natureza do gesto;
- o efeito rítmico – o corte entre os planos.
Raccord de movimento
A ideia de subdividir as possibilidades de raccords, através de secções baseadas em características, teve a sua origem no que se chama de linguagem clássica cinematográfica – uma tentativa de formalizar as diversas possibilidades de se conseguir o efeito de continuidade e homogeneidade no discurso do filme.
Variâncias de raccord
Além do raccord no gesto, Jacques Aumont aborda outros tipos de raccord propostos pelo cinema de linguagem clássica:
- o raccord sobre um olhar – o plano e o contraplano, o olhar sobre o olhar: mostrar, no primeiro plano, uma personagem a olhar numa direcção e, respeitando o sentido desse olhar, apresenta-se outra personagem que olha para a primeira, ou mesmo para um objecto, representando aquilo que a personagem do primeiro plano vê;
- o raccord de movimento – pressupõe a manutenção da velocidade aparente e direcção da acção entre dois planos;
- o raccord no eixo – dois momentos que se sucedem e que podem ter entre si uma leve elipse temporal em dois planos distintos, diferenciados apenas pelo distanciamento entre a câmara e o objecto – mostrando que é essencial, para a manutenção da ilusão de continuidade e ocultamento do corte, a utilização da regra dos 30° que obriga a que essa distância angular mínima se ponha entre o primeiro e o segundo posicionamento da câmara e evitando-se, assim, o efeito conhecido como “salto”.