Montagem em definição
Sobre a montagem cinematográfica, dizem uns e outros:
A noção de montagem é um local de desafio e de confrontos imensamente profundos, e duráveis, entre duas concepções radicalmente opostas do cinema. O pensamento sobre a montagem desenvolve, não apenas um caminho técnico sobre a apropriação das imagens, a profunda relação com a forma em como a prática cinematográfica é compreendida. Tal como toda prática cultural, a montagem está submetida a jogos de negociação e conflito.
Por um lado há a teoria de considerar a montagem cinematográfica como o elemento essencial do cinema, especialmente a partir da tradição cinematográfica soviética e os filmes dos anos vinte com a expressão montagem-rei e, por outro lado, há o oposto da desvalorização da montagem enquanto tal e na sua submissão à representação real do mundo. Há, desta forma, duas grandes correntes ideológicas na montagem que até hoje continuam a influenciar a forma como é compreendido o cinema e, talvez também a fruição, a sua função.
André Bazin e a transparência:
André Bazin estabelece um percurso teórico consistente, e interessante, em afirmar que a vocação ontológica do cinema é a produção do real – era, por isso, necessário que as cenas tivessem uma certa ambiguidade própria: “é necessário que o imaginário tenha na tela a densidade espacial do real. A montagem nela só pode ser utilizada em limites precisos, sob pena de atentar contra a própria ontologia da fábula cinematográfica”.
Em A montagem proibida Bazin refere que a ambiguidade é uma riqueza quando o resultado for imprevisível, a partir de como as coisas acontecem realmente, ou seja, o filme precisa de mostrar os acontecimentos representativos e não deixar de se ver a si mesmo como filme. A noção de raccord aplica-se à concepção de cinema de André Bazin enquanto impressão de continuidade e homogeneidade do filme – como, por exemplo, o campo/contracampo, quando um gesto inicia em um plano e termina em outro plano, etc. Para Bazin, não há montagem sem raccord, uma espécie de obsessão pela continuidade.
Não realismo
Há uma corrente teórica que é exactamente contrária ao realismo por rejeitar a ideia de não-intervenção sobre a imagem. Atribui-se a esse real um sentido eminentemente ideológico e interpretativo que faz com que as imagens tenham sempre uma certa sequência e representem uma perspectiva, no sentido althrusseriano, ideológica do mundo. Trata-se do cinema soviético e o trabalho dos grandes cineastas russos (Pudovkin, Eisenstein, Vertov, Dohvzenko), sobretudo Sergei Eisenstein na sua extensa literatura sobre a teoria da montagem.
Dialéctica Marxista
Montagem como discurso articulado: nesta concepção de montagem estão presentes elementos da dialéctica marxista que encaram o filme como um discurso articulado a partir do materialismo dialéctico e histórico – e toda a crença que acompanha a revolução russa, Lenin, e os jovens cineastas da época.
O fragmento e o conflito
Eisenstein chama os componentes da montagem de fragmentos e dá, através dessa designação, uma função específica para o seu desenvolvimento no cinema a partir de cortes muito rápidos que fulminam a ambiguidade das imagens. O fragmento tem uma primeira função sintáctica de organizar o sentido das coisas e também uma materialidade específica.
Outra noção importante na obra eisensteiniana é a ideia de conflito – também pensada a partir do materialismo dialéctico e a ideia de que uma tese sempre deveria ser sucedida de uma antítese – conflito não apenas dramático mas também plástico nas cenas. A montagem como uma ideia que nasce do choque entre dois fragmentos indepententes (…) gráficos, superfícies, volumes, espaços, iluminações, ritmos, etc.
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